elas e seus amigos gays*
Quase perfeitos: eles são sinceros, antenados com a moda, têm humor afiado, dão conselhos sobre amor e sexo… mas não querem namorar você
O homem ideal vai ao shopping com você, atura provas intermináveis de roupas e é sincero até as raias da crueldade sobre o resultado. Também repara se você cortou dois dedos de cabelo ou retocou um centímetro de luzes na raiz. Aliás, dá palpites certeiros no visual em geral, pois costuma ter ótimo gosto. E ele te segura quando você vai cair, do salto ou na vida, apoia seus projetos mais doidos ou te chama à razão, empresta o colo pra você chorar, é parceiro insuperável nas risadas. O homem ideal só tem um defeito: não quer namorar você. Porque é seu amigo. E é gay. “É a combinação ideal. Conversamos como duas pessoas que não têm sexo. Nunca competimos e torcemos sempre um pelo outro”, define o light designer Flávio Cossa, de 37 anos. Ele fala da arquiteta Letícia Muzetti, de 37 anos. “O Flávio é meu guru. Sou sua fã”, derrete-se ela. A dupla se conheceu há seis anos, numa parceria profissional que evoluiu para uma relação de respeito e confiança. “Com ele, converso de tudo. Do que pensamos, de planos para o futuro, dos problemas. Ele faz parte da minha vida”, afirma a arquiteta.
“A relação entre mulheres e gays parece dar certo porque acaba existindo entre ambos uma identificação”, analisa a psicóloga Patrícia Gugliotta, mestre em saúde mental pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Para Patrícia, muitas mulheres encontram “o seu eu” nessa relação. “É como se o amigo gay a ajudasse ela a se descobrir”, afirma. A administradora de Logística Fabíola de Oliveira, de 29 anos, de Campinas, resume sem meias palavras: “A diferença é que não há a inveja da amizade entre mulheres e você não corre o risco de ouvir do amigo heterossexual que ele quer te pegar.” Ela é unha e carne com o assistente administrativo Vinícius Memória, de 31 anos. “Trocamos confidências sobre tudo. De contas a pagar a relacionamentos”, diz ele. “O Vinícius é sincero até demais, tem bom tino e é sensato. Passou pelo crivo dele, fico tranquila”, arremata Fabíola. Para o maquiador e professor de maquiagem Fabrício Crespo, de 32 anos, o melhor amigo da gerente de marketing Carolina Gargantini, de 26 anos, essa “atração” é bem lógica. “O gay tem uma relação de admiração pela beleza feminina, que se concretiza em conselhos de moda, de make. As mulheres adoram quem consegue levantar sua autoestima”, observa.
Flávio Cossa concorda e mostra que a recíproca é verdadeira. “Todo homem gay quer ter uma amiga bonita de quem se orgulhar. Fico em cima se a Letícia relaxa, adoro quando ela compra uma roupa nova. Quero vê-la brilhar”, entrega. Cossa e Crespo apontam outra vantagem inegável dos gays sobre a melhor amiga e o “espelho, espelho meu”. “Nós conseguimos mostrar o lado masculino da coisa. Sabemos os pontos fracos dos homens e as ensinamos a dominá-los”, garante o maquiador. “A gente acaba sendo uma lente através da qual elas enxergam a natureza dos homens”, completa o light designer.
Uma questão de química
Ressalte-se que as amizades verdadeiras, afirmam os entrevistados pela Metrópole, rejeitam estereótipos. Não entram nesse rol aquelas baseadas na preconceituosa ideia de “bichinha de estimação” e, mesmo que os gays costumem ter apurado senso estético, tampouco se trata de ter (apenas) um assessor pessoal de moda e beleza disponível 24 horas. É uma via de mão dupla, para o bom e para o mau. E também uma questão de química. “Somos muito parecidos, temos uma cumplicidade enorme. Damos gritos um com o outro, se for preciso. É uma amizade além do plano físico. Acredito que temos uma missão a cumprir juntos”, filosofa Fabrício Crespo. Ele e Carolina, umbandistas, entendem que algo os une numa outra dimensão.
“Eu divido tudo com ele. Todos os dias nos vemos. O Fabrício é o irmão que eu não tenho”, fala a gerente de marketing. Vinícius Memória e Fabíola de Oliveira já moraram juntos com outros amigos na época da faculdade e agora, ambos solteiros, pensam em dividir um teto novamente. Os laços que os unem se apertaram ainda mais quando ele passou por uma cirurgia bariátrica (de redução do estômago) e ela ficou firme ao seu lado. Com a família morando em Cosmópolis, ele precisou como nunca de apoio. “Ela cuidou de mim como uma enfermeira. Fazia minha comida e até adaptou a alimentação às minhas condições, junto com os outros amigos que moravam com a gente. E o cuidado se mantém até hoje”, comenta. Já o light-designer Flávio Cossa começou a cursar Arquitetura apoiado pela amiga com quem divide vários projetos profissionais. “A Letícia acompanha minhas transições. Ela e o marido foram grandes incentivadores para eu entrar na faculdade.”
Fica tudo em família
Termômetro da sinceridade dessas uniões é o entrosamento com as respectivas famílias. “Minha mãe adotou a Fabíola como filha. E os meus pais já conheceram os dela, que moram longe. Estendemos o nosso relacionamento a todos os aspectos das nossas vidas”, diz Vinícius Memória. O mesmo acontece com a arquiteta Letícia Muzetti e o light designer Flávio Cossa. Ele frequenta a casa dela e participa de eventos íntimos. “Meu marido não gostava, era preconceituoso, mas isso mudou. Digo que o Flávio é um marco na minha vida; com ele, veio o conhecimento e a naturalidade”, analisa Letícia. Até a filha do casal, de 12 anos, é fã do amigo da mãe. “Ela adora o Flávio. O humor dele é inteligente, sempre acrescenta.”
Carolina Gargantini faz programas “de casal” junto com Fabrício Crespo e o companheiro dele, sem encanações. De quebra, como fazem aniversário em 18 (ela) e 19 de outubro (ele), as festas e o parabéns costumam ser compartilhados com os amigos. “Além de ser meu maquiador pessoal, o Fabrício maquia a mãe. Eu saio linda e a mulherada ama ele de paixão.” O revendedor de roupas Sérgio Alberto Alves, o Serginho, de 43 anos, tem na casa da dançarina e professora de flamenco Karina Maganha, de 36 anos, seu porto seguro. Todas as vezes que desaba em São Paulo vindo de Florianópolis para abastecer seu estoque, passa por Campinas para vestir em primeira mão a amiga. E ali, onde ela mora com o marido (que confessa certo ciúme dessa cumplicidade) e o filho de 3 anos, ele fica hospedado o tempo que precisar. Como quando passou por uma cirurgia na boca e ficou aos cuidados da amiga. “Ele só tomava sopa de canudinho e não podia rir, o que é muito difícil, pois nossa amizade é como aquelas comédias bem atrapalhadas. As histórias dele são sempre engraçadas, até as trágicas”, fala Karina. “Temos o mesmo timing para piadas, nos entendemos no olhar. Nossa amizade vem se consolidando nos últimos 10 anos e, mesmo longe, sabemos que podemos contar um com o outro”, retribui Alves.
Amor, um terreno sempre minado
A proximidade pode levar a um terreno minado na amizade entre mulheres e homens homossexuais e terminar confundida, ou desembocar mesmo, numa paixão. Mas o sinal é vermelho, alerta a psicóloga Patrícia Gugliotta. “O gay busca deixar a autoestima feminina sempre elevada. Para muitas mulheres essa situação é apaixonante, porque ela vê no amigo o corpo de um homem com o pensamento de uma mulher. Vê sensibilidade, o lado verdadeiro e cuidador, e uma pessoa que não traz perigo, pois não quer usá-la e depois abandoná-la. Vira uma relação sedutora”, entende. O lado B é ainda mais temeroso. “Há também mulheres que precisam testar seu poder de sedução e se colocam no papel de ‘corromper’ o amigo gay, na tentativa de ficar com ele e saber qual é o ‘gosto’, acreditando que ele será sensível e a tratará com carinho, sem se preocupar com seu próprio prazer.” Patrícia não economiza ressalvas a esse caminho. “É muito importante que a mulher não esqueça que a orientação de seu amigo é outra e que não deve alimentar expectativas que ele não poderá suprir. Aproveite o que ele tem para oferecer, que muitas vezes é uma amizade sincera, um bom ouvido. Se convença que essa cumplicidade jamais se tornará algo mais íntimo”.
Ele espera por você na web Questões que podem botar os miolos de uma mulher a ferver são apresentadas a um amigo que está a um clique do mouse. No caso, um Melhor Amigo Gay. Esse é o nome da coluna do jornalista Thiago Lucas (foto) no site Pimenta Chic (www.pimentachic.com.br). Na página, Lucas esclarece as dúvidas das leitoras sobre comportamento, sexo e o universo masculino em geral. “A maioria das perguntas diz respeito a alguma relação afetivo-sexual desenvolvida por uma mulher com algum homem. Ou está insegura em saber se pode dar chance ao cara, pois ele já vacilou antes, ou em relação à sua sexualidade. São temáticas frequentes”, diz ele à Metrópole.
Segundo Lucas, a maioria de seu público é de mulheres entre 30 e 50 anos. “Varia bastante. Mas é bem comum que sejam mulheres maduras, que já viveram um casamento e estão se separando, ou descobrindo novas formas de se relacionar, inclusive sexualmente. E outras que estão se libertando de seus medos e precisam de uma palavra de encorajamento”, observa. Para o jornalista, a maior qualidade de um amigo gay é ter “corpo e mente de homem e desejar o mesmo que as mulheres: que é o sexo masculino”. “Mas não é por isso que deixamos de ser homens. E esse detalhe faz toda diferença”, graceja.
Ponto de vista
Amiga, o que você está esperando?
por Eduardo Gregori
As mulheres são muito competitivas e por isso confiam nos gays. Porém, é bom avisar que só quem tem uma amizade verdadeira deve confidenciar detalhes íntimos, principalmente no que diz respeito ao namorado e ao marido. Gays não costumam guardar segredos e outros não pensam duas vezes em usar as confidências para conseguir o bofe da “amiga”.
Claro que essa índole não está ligada diretamente à orientação sexual. Têm muitas mulheres e muitos homens heterossexuais com a mesma postura. Porém, todo cuidado é pouco. Uma coisa boa de um amigo gay é que ele sempre vai te dizer a verdade.
Se aquela roupa da noitada que você acredita estar abalando Bangu estiver mais para Chacrete da terceira idade, tenha certeza que ele vai te falar isso. Homem gay nota tudo que passa batido aos heterossexuais.
Sempre vai dizer quando notar sua maquiagem, as luzes que você fez no cabelo, aquele vestidinho novo, a bolsa de grife que penou pra pagar e até a nova cor do batom. Portanto, cuidado: se você se descuidar do visual com certeza será metralhada pelo amigo. O bom dessa relação é que não há competição direta. Muitos gays são meio órfãos e encontram na amizade com mulheres uma espécie de segurança que não vêem em outros lugares. É bem verdade que ambos se tornam confidentes, e não apenas as mulheres.
Em outro ponto: esse tipo de relação faz muito bem a elas. Gays adoram ir ao shopping fazer compras e não se importam de passar horas procurando uma roupa com a amiga e outras várias esperando ela provar cada modelito. Como são (a maioria) antenados em moda, dão dicas com a maior boa vontade e ainda ficam agradecidos quando suas sugestões são acatadas.
A amizade com mulheres heterossexuais também faz bem aos gays, pois cria oportunidades para que uma família os conheça de perto. Que saibam que gays são tão normais quanto qualquer outra pessoa. Que homossexual não é só aquele tipo de fala mole e andar afeminado.
Com tantos pontos positivos, o que você está esperando para encontrar o seu amigo gay?
* matéria originalmente publicada na revista “Metrópole” do jornal Correio Popular de Campinas
por Sammya Araújo (sammya@rac.com.br)
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